Para “descongestionar” os tribunais do trabalho, a associação do setor propõe a possibilidade de resolução extrajudicial, por livre acordo entre as partes, dos sinistros com incapacidades permanentes. Especialista aplaude a iniciativa.
Dos mais de 28 mil processos que estavam pendentes em tribunal no final de 2017, quase 22 mil eram referentes a acidentes de trabalho ea doenças profissionais. Aliás, 74% dos processos entrados nos tribunais do trabalho tinham que ver, precisamente, com acidentes de trabalho ou doenças profissionais, e o tempo médio de duração ronda os nove meses. Para contrariar o congestionamento dos tribunais, a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) quer que os sinistros que gerem incapacidades parciais permanentes até aos 30% possam ser resolvidos por livre acordo entre as partes, como acontece, aliás, nos acidentes de viação. Teresa Magalhães, especialista na matéria, aplaude a proposta e fala do “calvário” dos trabalhadores que andam “anos e anos” a correr para o tribunal para resolver o litígio.
Em causa está o tratamento diferenciado aos sinistrados em sede de Código do Processo Civil e de Código do Processo de Trabalho. É que, no primeiro, mesmo em caso de morte, é possível resolver a questão por acordo extrajudicial, entre as seguradoras e os sinistrados ou os seus familiares, enquanto nos acidentes de trabalho toda e qualquer sequela geradora de incapacidade tem de seguir para os tribunais, por mais pequena que seja.
Um processo que Teresa Magalhães, médica especialista em medicina legal e com 30 anos de experiência na avaliação do dano corporal, garante ser “emocional e psicologicamente muito penoso”, porque obriga a vítima a “reviver, vezes sem conta, como se desenrolou um evento que, já por si, foi traumático” e a andar “qual bola de pingue-pongue” de um lado para o outro a “responder sempre às mesmas perguntas e a repetir os mesmos exames, com profissionais diferentes em locais distintos”. Já para não falar do tempo que os processos levam nos tribunais e dos custos que isso acarreta. A especialista dá o exemplo de um sinistrado cujo caso se “arrasta há dez anos”, e sem fim à vista. Enquanto outros, de acidentes de viação, são encerrados “pouco depois da minha avaliação, porque os doentes chegaram a acordo com as seguradoras”.
Há décadas que Teresa Magalhães vem defendendo a simplificação destes casos. “Algumas pessoas até ficam assustadas quando lhes dizemos que têm de ir a tribunal porque ficaram com uma cicatriz. Os tribunais foram feitos para tratar de questões mais urgentes, tem de haver vias mais céleres e mais adequadas para resolver estas situações. E, sobretudo, de forma menos desgastante para as vítimas”, argumenta.
A proposta da APS, enviada à comissão de Trabalho e Segurança Social, no âmbito da discussão parlamentar da proposta de alteração ao Código do Processo de Trabalho, propõe precisamente que o procedimento simplificado de reparação de acidente de trabalho seja possível para todos os casos em que a incapacidade parcial permanente (IPP) seja inferior a 30%, com a assinatura de um acordo extrajudicial nos 60 dias posteriores à alta clínica do sinistrado. O acordo seria “depositado no Fundo de Acidentes de Trabalho”, entidade que ficaria incumbida do “controlo de conformidade”. Nos restantes casos, com IPP superiores a 30%, em que haja algum tipo de controvérsia quanto à “caracterização do acidente como sendo de trabalho” quer “quanto à remuneração auferida pelo sinistrado à data do acidente”, ou quando estivessem em causa situações de subemprego ou em que o sinistrado fosse menor, os processos continuariam a ser apreciados nos tribunais. E o que é uma incapacidade parcial permanente inferior a 30%? “Estamos a falar de coisas como uma lesão no ligamento de um joelho, do dano a nível dos dedos da mão ou do pé, de uma dor lombar ou cervical, de zumbidos ou simplesmente de uma articulação que fica diminuída na sua mobilidade”, explica Teresa Magalhães.
As seguradoras garantem que esta alteração beneficiaria todos. “Em Espanha, as incapacidades parciais permanentes (IPP) até aos 30% já têm um regime muito simplificado, precisamente para rodear de mais cautelas aquelas situações devastadoras e que precisam de ser endereçadas com urgência. Em Portugal, os tribunais estão “afogados” em IPP de 1% e deixam ficar os processos de morte um e dois anos à espera”, lamenta fonte contactada pelo DN/Dinheiro Vivo, que lembra que, mesmo com a alteração da lei, e em caso de desacordo quanto à indemnização, o sinistrado terá sempre a possibilidade de recorrer aos tribunais.
No documento enviado à Assembleia da República, a APS destaca que esta proposta de resolução extrajudicial dos acidentes de trabalho chegou a estar prevista pelo governo de José Sócrates, lembrando que a resolução do Conselho de Ministros 172/2007 preconizava, na sua alínea m), a “dispensa da necessidade de apresentação de uma ação judicial em matéria de acidentes de trabalho quando, após a realização dos exames médicos necessários, exista acordo entre trabalhador e empregador e decisão favorável de entidade administrativa ou equivalente, assegurando-se sempre o acesso aos tribunais em caso de conflito”. Uma medida “nunca concretizada”.